Debate sobre o Conselho Federal de Jornalismo
Ordem dos Advogados do Brasil (OAB)–14/09/04
Na terça-feira do dia 14 de setembro, por volta das 13h30, ocorreu uma sessão na Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) para discutir o projeto de lei que prevê a criação do Conselho Federal de Jornalismo. Compuseram a mesa, além do Presidente Roberto Busato e membros honorários, o Presidente da Comissão de Constituição e Justiça, Maurício Rands, o Presidente da Federação Nacional de Jornalismo (FENAJ), Sérgio Murilo de Andrade, e o Presidente da Associação Brasileira de Imprensa (AIB), Maurício Azedo.
Antes da fala dos convidados, relatou-se documento da Assessoria Legislativa, que fez um levantamento histórico dos projetos para a criação de um conselho, ou mecanismo similar, para o Jornalismo. A primeira data apontada foi a do ano de 1970, quando Vasconcelos Torres da ARENA propõe a Ordem dos Jornalistas, que foi considerada inconstitucional e a proposta retirada em 1971.
O Presidente da Comissão de Constituição e Justiça, Maurício Rands apontou para a necessidade de um aprofundamento maior no debate acerca do Conselho Federal de Jornalismo, em vez de um posicionamento imediato. Ressaltou que a conjuntura em que surgiu o projeto de lei não foi a melhor. Porém acredita que o conselho, por si só, não significa o cerceamento da liberdade. Ainda, afirmou que existem preposições no sentido de criação de um conselho para o Jornalismo desde 1965, anterior a data apontada pela Assessoria Legislativa.
Já o Presidente da FENAJ, Sérgio Murilo de Andrade, declarou que, apesar da tentativa de tachar o Conselho de Jornalismo como autoritário e censor, a FENAJ está promovendo o debate, explicando o porquê do projeto. Enfatizou, ainda, que a discussão da mídia no Brasil é muito rara.
Discorreu sobre alguns mal entendidos, o conselho é dos jornalistas e está em discussão desde 1996 no congresso que reunião mais de 31 sindicatos. O anteprojeto foi construído em 3 congressos nacionais, sendo o último em 2002. Foi, então enviado para o Ministério do Trabalho e sofreu adaptações de ordem técnica no ministério e na Casa Civil. Não se modificou o conteúdo, mas o projeto recebeu cortes, pois alguma de suas partes eram material para um texto de regulamentações.
Portanto, Sérgio Murilo defende que não há intenção de constranger ou cercear a liberdade de imprensa. O fator que permite o cerceamento e a censura cotidiana nas redações é a concentração da mídia. Os meios de Comunicação são propriedade privada com objetivos comerciais.
O Conselho de Jornalismo, dessa forma, serviria para fiscalizar os registros dos jornalistas, prezar pela ética profissional, e qualificar o jornalismo – se aproximando das escolas de Jornalismo. É um mecanismo que contribuiria para a discussão democrática, sendo fundamental para a sociedade brasileira, porque seria a mediação entre a mídia e os profissionais.
O Presidente da ABI, Maurício Azedo, revelou seu posicionamento contrário à criação do Conselho de Jornalismo. Afirmou que o projeto parte de uma premissa equivocada, pois pretende igualar o Jornalismo com outras profissões de nível superior, instituindo regras para a profissão de Jornalismo com as demais profissões. Porém, as outras profissões possuem efeito direto na saúde, qualidade de vida e meio ambiente. Isto é, prejuízos que se estendem à sociedade. No entanto, o Jornalismo se encontra em um plano imaterial, das idéias. Um conselho serviria, assim, como mecanismo de coerção da liberdade.
Ainda, a profissão dos jornalistas não possui o caráter autônomo do engenheiro, advogado, agrônomo, químico, entre outros, que não possuem vínculo com o poder público e a iniciativa privada. O jornalista não pode simplesmente abrir um escritório, pois seus clientes não vão aparecer. Esse fato acontece porque a atividade de Comunicação exige investimentos com os quais o profissional não pode arcar. Os investimentos são tão necessários na mídia, que o Congresso abriu para que os estrangeiros investissem 30% nos meios de Comunicação.
Maurício Azedo afirmou que o texto do projeto de criação do conselho não sofreu apenas adaptações técnicas. O projeto era composto por 133 artigos, e foi reduzido a menos de 30%, subtraindo e adicionando texto dependendo das disposições que interessavam o governo. O texto inicial relatava que o Conselho Federal de Jornalismo teria como função orientar, disciplinar e fiscalizar a atividade do jornalista. Foi modificado para a atividade do Jornalismo, o que eqüivale dizer a notícia, opinião e informação. Está cláusula se torna inconstitucional por causa do artigo 220 da Constituição que afirma que nenhuma lei poderá criar dispositivo de embaraço à liberdade de pensamento.
O projeto, segundo Maurício Azedo, possui teor repressivo, permitindo a cassação em massa de registros profissionais. Ainda, o projeto instituiria uma burocracia remunerada sustentada pelo pequeno salário dos jornalistas, com anuidade de 200 a 300 reais por ano.
Depois das falas iniciais, o espaço foi aberto para a plenária. Entre os que se pronunciaram, estava o Diretor Executivo da Associação Brasileira de Jornalismo Investigativo (ABRAJI), Fernando Rodrigues, que declarou que a ABRAJI decidiu deliberadamente não se posicionar em relação ao Conselho Federal de Jornalismo, mas continuar com o debate. Questionou a liberdade e a independência do Jornalismo em um mercado pequeno, no qual não há competição real.
Já o representante da Associação Brasileira de Emissoras de Rádio e Televisão (ABERT), Alexandre Jobim, afirmou que a ABERT endossa a ABI devido às intenções veladas do projeto. Criticou que o texto do projeto afirma que o Conselho Federal de Jornalismo resolverá os casos omissos, mas tudo é omisso no texto. Afirmou que a mídia está sim disposta a discutir e que se a Lei de Imprensa existe e não funciona, devemos buscar soluções que resolvam a lentidão do Judiciário e as falhas da Lei de Imprensa.
O Presidente da Confederação Nacional dos Trabalhadores em Comunicações e Publicidade (CONTCOP), Antônio Maria Thaumaturgo Cortizo, declarou que o CONTCOP não é nem contra nem a favor da criação do Conselho Federal de Jornalismo. Contudo, apontou para a necessidade de eleição direta para as primeiras diretorias provisórias federal e regionais do Conselho de Jornalismo. Também revelou sua preocupação referente ao termo “orientar” utilizado no projeto, afinal se refere ao trabalho intelectual e é necessário estar atento para a livre manifestação do pensamento. Mencionou também os “free lancers” que atuam autonomamente, sem vínculo algum, ao contrário do que afirmou o Presidente da ABI ao diferenciar o Jornalismo de outras profissões.
O Presidente do Sindicato Regional de Minas Gerais, Aluísio Soares Lopes, acredita que o texto do projeto foi enxugado demais e perguntou como ocorreriam as eleições para o conselho. Declarou que não estão inventando a roda, que existem pelo menos 40 conselhos de Imprensa no mundo. Ainda, se opondo a fala do Presidente da ABI, disse que o Jornalismo afeta a honra dos cidadãos e que os psicólogos também atuam no campo da consciência e do pensamento, o que não os impede de possuir um conselho. Afirmou que antes da cassação do registro de profissional, o conselho teria que advertir e suspender o jornalista.
O Professor da UnB, Fernando Paulino, afirmou que os argumentos contra o Conselho Federal de Jornalismo, são os mesmos que foram utilizados para tentar inviabilizar o Conselho de Comunicação Social. Ressaltou que a atual concentração dos meios de Comunicação é um obstáculo para a liberdade de expressão.
O Presidente do Conselho Federal de Psicologia, Ricardo Figueiredo Moretzsohn, enfatizou o bombardeamento pela mídia da proposta do Conselho Federal de Jornalismo, que se assemelha a uma luta entre Davi e Golias. Falou também da necessidade da discussão e do aperfeiçoamento do projeto.
O Deputado do Pará, Sérgio Couto, acredita que houve uma confusão entre idéia e iniciativa no debate acerca do conselho. Afinal, os pontos que podem permitir a censura, devem ser corrigidos no Congresso Nacional. Discorreu sobre a importância de Jornalistas julgarem Jornalistas, em vez do governo realizar essa função. Enfatizou a importância de se retirar o artigo 12 do projeto, que prevê que os presidentes do Conselho Federal de Jornalismo deverão prestar contas ao Tribunal de Contas da União. Artigo que pode dissipar a liberdade, vinculando o conselho ao governo.
O Presidente do Centro Internacional de Negócios da Bahia (Promo), Marcos Tourinho, destacou o momento que surgiu o projeto. É um período de autoritarismo, em que o governo emite várias medidas provisórias (como a MP do PROUNI, um atentado contra a universidade pública e gratuita). Discorreu também sobre o autoritarismo nos meios de Comunicação, em que há uma concentração da mídia e a presença do capital estrangeiro.
O secretário geral da OAB, César Brito, falou da importância de aproveitar o que é bom no projeto, em vez de condená-lo ao aborto. Declarou que a legislação não protege os jornalistas, pois a profissão é fiscalizada pelo Ministério do Trabalho, que coloca todos os profissionais na vala comum, sem diferenciação com outras profissões. Contudo deve-se tratar igual os iguais, e os desiguais tratar com desigualdade para alcançar a igualdade. Portanto, os jornalistas não possuem condição para exercer a liberdade. Afirmou, ainda, a necessidade de mudanças no projeto.
Membros honorários vitalícios da OAB também se pronunciaram. Rubens Approbato Machado se posicionou visceralmente contra o projeto, que surgiu em um momento de dirigismo estatal e foi apresentado com pressa. Discorreu também sobre o perigo do Conselho Federal de Jornalismo ser vinculado à União. Reginaldo de Casto defendeu a necessidade de aprofundamento do debate. Herman Assis Barreto afirmou que o Conselho Federal de Jornalismo não contraria a liberdade, se a lei for bem feita, a liberdade é fortalecida. Declarou ainda que nenhuma profissão está acima do bem e do mal.
O debate finalizou com a fala do Presidente da OAB, Roberto Busato, que se declarou pessoalmente favorável ao Conselho Federal de Jornalismo, e revelou que sonha com um conselho igual à OAB. Acredita que o maior inimigo do conselho é o próprio governo que apresentou o projeto de maneira que não estimula o debate. Contudo, afirmou que seu posicionamento não é a manifestação do posicionamento da OAB.