27 de mar. de 2015

Medida legislativa pode legalizar prova ilícita

Por Aghata Gontijo e Juciele Fonseca
 
    O Ministério Público Federal lançou há duas semanas o Pacote Anticorrupção, que visa aprimorar o combate à corrupção através de 10 medidas legislativas. O conjunto de medidas anunciado dois dias depois dos protestos de 15 de março, foi amplamente discutido e analisado em programas de análise política. Dentre as dez medidas que tramitam entre aumento de pena e criminalização de caixa 2 (acúmulo de recursos não declarados), cabe destacar a Medida Sete: ajuste nas nulidades penais, mas para entender o que isso significa, é preciso entender como a atual lei brasileira funciona.

Princípios Jurídicos

    A medida diz respeito ao que está explicito no artigo 5º da Constituição Federal: “LVI - são inadmissíveis, no processo, as provas obtidas por meios ilícitos;”.

    Mas já em outro momento nos deparamos com o princípio da verdade real, que caracteriza a verdade como o componente mais importante para o processo judicial. Cabe-nos a analise do direito brasileiro para constatar em que tipo de situação cada um desses pontos se sobressairá sobre o outro.

    O artigo 5º da Constituição nos oferece um princípio constitucional, o que não necessariamente implica em uma regra que não pode ser quebrada. Como escreveu Amaral Júnior, professor de direito, em seu livro A Boa-fé e o Controle das Cláusulas Contratuais Abusivas nas Relações de Consumo, princípios permitem avaliação do caso, ou seja, são flexíveis e não excludentes. Quanto às regras, essas embora admitam exceções, são mais rígidas.

    É importante diferenciar as provas ilícitas e as provas ilegítimas. A primeira constitui as que são obtidas infringindo os princípios de direito material, intimidade, liberdade e dignidade humana. As provas ilegítimas são obtidas em violação a regra de direito processual. A primeira é inadmissível e para a última vale o sistema de nulidade.

    Ainda sobre as especificações dos processos as provas ilícitas encontram sua discussão embasada em outra peculiaridade: a proporcionalidade. Nesse caso como diz Edilson Mougenot Bonfim em seu livro Curso de Processo Penal a teoria da proporcionalidade “...funciona como método hermenêutico para dizer qual deles e de que forma prevalece sobre o outro princípio antagônico...”. Estabelece que devam ser observados os pormenores do processo para que não se realize, por exemplo, uma condenação embasada em falta de provas lícitas que provem a inocência do réu.

    O mesmo artigo, no entanto é envolvido por inúmeras polêmicas. Denominado ‘Dos Direitos e Garantias Fundamentais’ o texto que fala sobre as provas obtidas de forma ilícita é considerado por opositores à ideia da medida, parte integrante dos direitos e garantias individuais, o que caracteriza a proposta sete do Pacote Anticorrupção como inconstitucional.

    Os direitos e garantias individuais estão postos no artigo 60 § 4º da Constituição Federal, onde se encontram as clausulas pétreas da Carta Magna. Segundo texto do Senado clausula pétrea é: “Dispositivo constitucional que não pode ser alterado nem mesmo por Proposta de Emenda à Constituição (PEC)”, logo o artigo 5º não poderia sofrer tais alterações.
 

Medida Sete

    A medida propõe alteração do Art. 157, legalizando o aproveitamento da prova ilícita quando os benefícios decorrentes do aproveitamento forem maiores do que o potencial efeito preventivo da nulidade da prova. 
§ 3o Ressalvados os casos de tortura, de violência física, de ameaça, ou de violação da residência e interceptação de comunicações sem mandado ou ordem judicial, bem como outros de igual gravidade, poderá o juiz ou tribunal determinar o aproveitamento da prova ilícita, com base no princípio da proporcionalidade, quando os benefícios decorrentes do aproveitamento forem maiores do que o potencial efeito preventivo, da decretação da nulidade, sobre o comportamento futuro do Estado em investigações.
    Não há nenhuma referência a essa medida nas seguintes matérias "Pacote anticorrupção tem só uma medida com efeito imediato", dA Folha de São Paulo, "Pacote anticorrupção prevê criminalização de caixa 2 e confisco de bens", da EBC, "Pacote anticorrupção agrada, mas especialistas cobram mais medidas de prevenção", da BBC. A matéria dO Estadão, "Pacote anticorrupção do MPF sugere punições a partidos políticos", cita a medida, porém não discorre sobre o conteúdo do item.  

    A ausência de matérias na grande mídia sobre uma medida que propõe o aproveitamento de provas obtidas de forma ilícita em um inquérito é preocupante e quanto a isso nos cabe uma reflexão se imprensa está cumprindo um dos seus papeis primordiais: informar sobre, tornar público algo. Se existe uma probabilidade de aprovação na Câmara Legislativa de uma medida que a sociedade civil desconhece, assim como as especificidades jurídicas que a mesma implica, se torna necessário discutir se a imprensa está realmente informando ou apenas elencando tópicos relevantes a grupos específicos.

24 de mar. de 2015

"Podemos tirar, se achar melhor"

De Gabriel Shinohara

A hashtag #podemostirarseacharmelhor subiu meteoricamente nos trendings topics do Twitter brasileiro na noite dessa terça (24). Ela faz referência a frase acidentalmente publicada em uma entrevista produzida pelo jornalista britânico, Brian Winter (Reuters) na qual o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso comentava sobre os casos de corrupção na Petrobrás, atualmente investigados pela polícia federal.

A frase estava logo depois do parágrafo (reproduzido abaixo) que relatava o depoimento do ex-gerente de serviços da Petrobrás, Pedro Barusco. O depoimento continha informações sobre a corrupção na estatal, supostamente iniciada em 1997, época do primeiro mandato de FHC.


Reprodução da matéria

Ao ser perguntada pela revista Carta Capital, a agência Reuters lamentou o erro e explicou que a frase era uma pergunta dos editores brasileiros para o jornalista autor do texto original, em inglês. Ao perceber, a agência imediatamente retirou a matéria do ar e a corrigiu.

Poucos veículos de comunicação relataram o acontecimento, apenas Carta Capital e Jornal do Brasil, além de blogs, reverberaram a notícia. E de formas bem distintas.

A Carta Capital se mostrou imparcial, apesar de sua explícita visão política. Apurou o caso, procurou fontes e não deu seu parecer, a manchete também não pende pra nenhum dos lados.

Matéria no site: cartacapital.com.br



Já o Jornal do Brasil se mostrou tendencioso na manchete. Sem maiores provas e contra o que a fonte havia dito, realizou um juízo de valor.

Matéria no site: jb.com.br



Apesar de precipitado, a opinião do Jornal do Brasil tem alguma base. A frase não teria um motivo naquele contexto, pois o parágrafo é obviamente importante para o entendimento do quadro geral da situação. Além de que se tratando e um autor anglófono, não há porque se comunicar em português.

Se a acusação do Jornal do Brasil for provada, vimos um sério desvio ético por parte dos editores brasileiros da Reuters. Precisar que sua matéria seja “aprovada” pela fonte é violar a deontologia jornalística, comprometendo a tão necessária confiança do público, pois acaba com a imparcialidade e desrespeita a relação fonte-jornalista.