23 de set. de 2011

A Serbian Film: a arte sem limites

Por Camila Curado

À arte cabe o papel de informar, denunciar e entreter. Ao Estado cabe a função de manter a ordem. Em que momento um pode interferir no outro? Essa questão não está esclarecida. O fato é que Um filme Sérvio – Terror sem limites trouxe o tema para debate, além de outras centenas de questionamentos. Qual atitude o governo deve tomar diante da arte sem pudor que ofende a integridade humana: censurar ou permitir?

A princípio, o filme foi um dos escolhidos para o RioFan – Festival Fantástico do Rio –, mas foi retirado pelo patrocinador, Caixa Econômica Federal, assim que souberam do conteúdo e após receberem ameaças de clientes. A exibição ficou por conta do cinema Odeon no Rio de Janeiro, no entanto a transmissão também foi vetada após o DEM entrar com ação contra a veiculação do filme. A Serbian Film tinha estreia nacional prevista para o dia 26 de agosto. Chegou a ser exibido em Porto Alegre e São Luís, mas foi proibido antes do lançamento nacional.

O Ministério Público Federal de Belo Horizonte propôs à Justiça Federal a proibição do filme com base no artigo 241-C do Estatuto da Criança e do Adolescente, que multa e penaliza em até três anos de prisão quem simular a participação de criança ou adolescente em cena de sexo explícito ou pornográfica por meio de adulteração, montagem ou modificação de fotografia, vídeo ou qualquer outra forma de representação visual.

A decisão judicial assustou cineastas e revoltou a população. A liberdade de expressão está garantida na Constituição de 1988. Então, a partir de que argumentos o Estado baseou-se para limitar o direito de escolha da população? Segundo o diretor Srdjan Spasojevic, o filme foi feito como forma de denúncia do poder político na Sérvia. A pornografia presente no filme se justifica, segundo o diretor, como a única metáfora possível para o caos quase indescritível e explorador que rege a vida dos sérvios. Apesar das cenas que envolvem sexo com crianças e bebês terem sido gravadas com bonecos, isso não diminuiu a polêmica.

Filmes que abordam sexo explícito e violência são produzidos desde os anos 1980, sob o gênero de Snuff Movies – categoria que mescla violência com pornografia, e tem como objetivo o sacrifício humano frente às câmeras. O que chamou a atenção dessa vez foi a maneira como o filme realizou a proposta de entretenimento e reprodução da realidade cruel da sociedade, de forma explícita, enfática e até espetaculosa.

Não é correta a censura do Estado, bem como não é cabível a falta de ética dos produtores do filme. Por isso ainda não há um consenso. A novidade é que a distribuidora do longa-metragem, Petrini Filmes, conseguiu outra data de estreia para o filme no Brasil, que ocorreu no dia 16 deste mês. A única imposição do Ministério da Justiça foi que o filme fosse exibido com base na classificação indicativa – 18 anos –, estabelecida de acordo com o Estatuto da Criança e do Adolescente. A arte é livre e nós também. Este é o limite! E a ética? Bem, essa ficou para depois.

5 interações:

Anônimo disse...

Engraçado, mas esse texto me fez querer assitir o filme. Acho que a censura tem o mesmo efeito. Pode deixar as pessoas mais curiosas e aí sim elas assistirão o filme. É um assunto complexo mesmo. Censurar nunca vai ser uma solução completa.

Luana Luizy disse...

"Nada como inútil para ser artístico"
Por que Serbian deve ser considerado arte?
Todo filme pode ser chamado de arte?
o Estado feriu a liberdade da população? então quais grupos civis defenderam a exibição do filme?

Jéssica Gotlib disse...

Bem Camila, não sei o que você considera arte, mas se assistiu o filme deve entender que as coisas não são tão simples como o seu texto faz parecer. Por outro lado, deve-se definir bem o que é censura. Sim, esse é um problema que nós brasileiros temos que enfrentar dia a pós dia. Nossa democracia ainda fragilizada pelo fim historicamente recente de um longo período de ditadura, nos deixa a mercê de quaisquer alardes. No entanto, o que é mesmo censura? Essa é uma resposta que pouco de nós sabemos dar com certeza. Censura é a proibição prévia de algum tipo de forma de expressão. Posto isto, vamos ao caso, no Brasil A Serbian Film foi exibido por duas vezes em festivais na região nordeste. Segundo ponto, a primeira proibição veio da Caixa Cultural, que o proibiu em suas dependências, e não do Estado. Por fim, a decisão do Ministério Público foi posterior a essas duas, logo, não caracteriza censura. Ainda tratando da arte, eu que não entendo muito sobre o que é considerado arte no cinema, considero muito a opinião de alguns críticos, e o que eles dizem não é muito favorável ao lado artístico dessa produção. Uma questão que eu quero te colocar é sobre o seu título "arte sem limites" será mesmo que a arte não pode ter limites, nem o dos direitos humanos tão proclamados pelos mesmos meios que levantam bandeira contra a censura?

Camila Curado disse...

Jéssica Gotib, falar sobre a polêmica de um filme como este não é nada fácil... Eu assisti, sim, ao filme para poder saber sobre o que eu estava falando e para tirar minha própria opinião acerca de todos os acontecimentos que envolveram esse longa-metragem. E, talvez, o que tenha deixado a desejar no meu texto tenha sido a falta do meu posicionamento. Eu quis ser imparcial. Eu não quis que essa situação se parecesse simples, em momento algum. Mas é complicado abordar todos os aspectos políticos, artísticos e sociais que envolvem esse assunto com clareza e de modo completo. Por fim, não entendi sua colocação quanto às exibições e proibições da exibição do filme. Está correta e, inclusive, tudo o que você disse está escrito no meu texto. E, sobre o título... De maneira alguma eu quis dizer que não se deve colocar limite na arte. A minha intenção foi crítica, e tomei o máximo de cuidado para que não houvesse erros na compreensão disso ao usar os dois pontos depois de “A Serbian Film”, ou seja, eu quis fazer uma critica ao filme Sérvio pelo seu conteúdo artístico (como base de que um filme seja uma forma de expressão artística) que não teve limite nenhum em usar e abusar de todas as formas possíveis de sexo e violência em seu conteúdo.

Anônimo disse...

Eu assisti o filme e, para falar a verdade, eu gostei. O filme é uma crítica à exploração que aqueles que tem poder impõem sobre os mais frágeis em prol da satisfação dos próprios instintos, sem limites nem escrúpulos. Quando falo instintos, não falo apenas de sexo mas também da obssessão do ser humano em sempre ter mais, nem que isto signifique prejudicar os outros. Lembrando que a Sérvia saiu de uma guerra relativamente recente e várias atrocidades foram cometidas nesse período. O que é uma guerra a não ser o desejo dos que tem poder em satisfazer sua ganância de dominação através do sacrifício dos mais fracos?

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