Atribui-se a editores ingleses a máxima “notícia é denúncia, o resto é secos e molhados”, lema por vezes convertido em “jornalismo é oposição, o resto é secos e molhados”. Numa democracia, porém, não faz sentido esperar que a imprensa faça oposição política e sim que seja o Quarto Poder na estruturação de uma sociedade democrática e plural.
Certa vez, ouvi de um dos editores do Washington Post: “Já dá muito trabalho fazer um jornalismo de qualidade. Imagine cuidar de políticas sociais”. Caberia ao jornalismo tão-somente o clássico papel de se ater aos fatos e nada mais além deles. E quando der opinião, deixar bastante claro para os leitores – e em local apropriado.
Seria demais, então, pedir do jornalismo um papel preventivo? Possivelmente, não. Afinal, jornalistas – sobretudo, os pauteiros --, são muito afeitos ao calendário e às agendas: Ano Novo, Carnaval, Semana Santa, Dias das Mães, Dias dos Namorados, Semana da Pátria, Dia da Criança, Finados, Natal e... roda tudo de novo, mas também problemas que são recorrentes, como: enchentes, secas, incêndios, acidentes, tragédias, epidemias, endemias, pandemias etc. Em Brasília, por exemplo, qualquer repórter de cidade poderia registrar na sua agenda, a partir de junho: ‘verificar que providências foram tomadas para que o Parque Nacional da Água Mineral não pegue fogo’, como, aliás, acontece todos os anos. O mesmo vale para o Jardim Botânico, toda seca lambido pelas chamas, de ponta a ponta.
Quando das últimas cheias e deslizamentos no Rio de Janeiro, uma emissora de TV foi aos arquivos e recuperou imagens de suas próprias coberturas ao longo de décadas. E o tom da matéria era algo como: ‘crônica de uma tragédia anunciada’.Eu me lembro de uma charge publicada num jornal carioca, nos anos 60: um cidadão acordava com água nos joelhos e abria a torneira para escovar os dentes, e não havia água na mesma. E Santa Catarina? Eu era jovem repórter (anos 70 e 80) e já viajava para Santa Catarina a fim de acompanhar autoridades que iam ‘vistoriar’ prejuízos das enchentes e anunciar verbas extras.
Faz sentido, portanto, em cobrar do jornalismo que ele seja antecipatório, como já é tradição na economia, quando os comentaristas de mercado e finanças, de porte de dados, emitem advertências e previsões. Jornalistas, afinal, têm fama de “perdigueiros”. No seu faro vocacional, são quase premonitórios. Por que não previdenciários, no sentido de prevenir, antes das remediações? Seria o máximo se os repórteres investigativos conseguissem detectar precocemente sinais de desvios do dinheiro público e não ficar apenas dependendo do repasse de“grampos” realizados pela polícia, depois – como se diz numa ironia bem brasileira --, que a vaca vá para o brejo.
Luiz Martins da Silva é professor da UnB e pesquisador do CNPq (“A ideia do pós-jornalismo”).
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