por Laís Lara A sociedade se transformava. A política permutava entre dois blocos econômicos. Constantes eram os golpes militares e jovens lutavam em prol da liberdade. Diante desse cenário de turbulência desencadeado pela Guerra Fria, era necessária uma voz que ecoasse as insatisfações da geração de 1960: Mafalda.
Idealizada e produzida por Quino, ou Joaquín Salvador Lavado, essa argentina conquistou públicos na América Latina, na Europa e até mesmo na Ásia. Qual seria o segredo para tal sucesso? Talvez a sapiência do autor ao mesclar a ironia política com o bom humor cotidiano – um remédio para o estresse.
Quem acompanhava a publicação de Mafalda no jornal El mundo ou quem, nos anos 2000, lê uma coletânea das tirinhas, não apenas desfruta a veia cômica dos diálogos, como (sobretudo) reflete acerca das particularidades da natureza humana. Cada personagem que compõe o mundo de Mafalda, por meio da sátira, metaforiza arquétipos humanos como o materialismo, a patriarcalismo e o ser político.
Se por um lado há Susanita, uma fofoqueira egoísta cujo único objetivo é se casar e desfrutar da maternidade, Mafalda gosta dos Beatles, questiona a política e acredita nos direitos humanos. O senso crítico dessa “Contestária”, como definiu Umberto Eco, não nasceu por obra do acaso, mas sim por um processo. Apenas por meio da observação dos costumes, da leitura de jornais, por escutar rádio e por ver televisão é que a Pequena encontrou “falhas”, “lacunas” e desigualdades no mundo em que vivia, podendo, então, intervir sobre ele.
Segundo Quino o lápis é uma linguagem, pois quem o maneja descobre coisas incríveis e passa a ter um olhar “esquinado” sobre a vida. Contudo, a repercussão de Mafalda ratifica que não só o produtor, mas também quem observa e as criações de um lápis adquire um relacionamento inquieto o viver.
Os argumentos de Mafalda transcenderam a limitação do tempo e do espaço, afinal, como expressam algumas das tirinhas, a burocracia continua lenta como uma tartaruga, o mundo segue doente e a desigualdade permanece. Deveras, além dessas conclusões, outras problemáticas que perturbam a paz civil no século XXI, podem ser inferidas quando se lê a “Cosntestária” da década de 60.
Sobre o humor... um breve parêntese
Todo jornalismo deveria valer-se do humor. Como primeira leitura, essa frase parece pedante e inadmissível, pois o jornalismo solicita dados e objetividade, não gracejos. Contudo, a fim de um texto jornalístico denunciar os abusos contra a sociedade (uma das funções que possui), ele precisa fazer uso de variados métodos linguísticos, afinal tanto as acusações como os públicos têm origens diversas. Eis o álibi do humor.
O cômico não reduz a credibilidade de um meio e tampouco demonstra parcialidade política (ou não deveria, pelo menos), antes mostra-se um caminho alternativo do gênero noticioso. A combinação entre desenho, cores, escrita e caricatura “quebra” a linearidade da diagramação, concedendo ao leitor a oportunidade de criticar o mundo por meio do sorriso.
Sejam charges, tiras, cartuns ou qualquer outra forma de ilustração, essa maneira de informar, segundo o cartunista Miguel Paiva, “revela o avesso das coisas, pois a função primordial do humor é denunciar as injustiças, as mentiras”.
Fontes:
http://www.mafalda.net/pt/index.php
As declarações de Miguel Paiva foram retiradas de uma entrevista que está disponível no endereço eletrônico http://www.youtube.com/watch?v=djXaMhl0VEM&feature=related