Opinião publicada na edição 649 do site do Observatório da Imprensa
Por Luiz Gonzaga Motta* em 04/07/2011
Por Luiz Gonzaga Motta* em 04/07/2011
Matéria publicada nas páginas 113 a 116 da edição desta semana da revista Veja (data de capa de 6/7/2011) sobre a atual gestão da Universidade de Brasília (UnB) é um atestado de mau jornalismo. Tipicamente, o ângulo da reportagem já havia sido determinado antes. O repórter só foi ao campus para confirmar aquilo que a direção editorial da revista já tinha decidido noticiar, independente de as afirmações corresponderem ou não ao que acontece na realidade.
Mais uma vez, infelizmente, a revista utiliza o seu poder editorial para adotar na reportagem uma posição política contra aqueles que não se coadunam com a sua ideologia. É lamentável impregnar falsamente a reportagem com a opinião da direção da revista, fingindo fazer jornalismo.
Sem identificar
A matéria assume posição político-editorial logo na abertura. Já começa acusando a atual administração da UnB de cercear a opinião, tolher a liberdade de pensamento, perseguir pessoas antes de qualquer outra informação. O título, ruim, reforça o caráter opinativo. Quer ligar a universidade ao treinamento fundamentalista.
Se há algo que excede hoje na Universidade de Brasília é liberdade. O atual reitor, José Geraldo de Sousa Jr., pode até ter alguns defeitos, mas ele não pode ser acusado de intolerância política. A diretoria do sindicato dos docentes faz uma aberta oposição política ao reitor, os estudantes se manifestam como e onde querem, os recursos são distribuídos por meio de editais que proporcionam direitos iguais para todos (uma novidade desta gestão), os professores têm absoluta independência para lecionar os conteúdos que escolhem, os debates nunca foram tão livres e espontâneos. Fala-se de tudo: liberação da maconha, eleições, partidos políticos, sexo, cotas, direitos de gêneros e tantos outros temas da agenda pública. Quem duvidar, compareça hoje ao campus da UnB.
O jovem repórter Gustavo Ribeiro não aprendeu as boas lições do jornalismo: ouvir os dois lados e apurar com competência profissional. Ou prestou-se a ser apenas menino de recados da direção editorial da revista – o que é pior. Se uma procuradora foi alvo de manifestações num debate por atacar a política de cotas para negros, foi uma reação das pessoas presentes e nada tem a ver com a atual gestão. Aliás, contradiz a reportagem, atesta a liberdade.
Quem amplia ou diminui a carga horária de um professor – outra das acusações da matéria – não é o reitor, é o colegiado do departamento ao qual o docente pertence. Isso não pode ser imputado à reitoria. Pior ainda, a declaração não está “na boca” da professora que teria reclamado, mas de um docente que teria ouvido a afirmação dela. Mas, por incrível que pareça, ele não é identificado na reportagem. Citação terceirizada, afirmações no condicional, mau jornalismo.
Mau caminho
A matéria demonstra que o repórter foi atrás apenas de quem confirmava a pauta predefinida. Um ex-professor voluntário não é a melhor fonte para falar sobre questão tão sensível como perseguição política em uma universidade. Primeiro, ele é ex; segundo, é professor voluntário. Se ele é um dos “maiores especialistas do direito brasileiro”, por que é professor voluntário? Por que não prestou concurso? A UnB tem hoje quase três mil professores do quadro que poderiam avaliar melhor que os voluntários se há liberdade de cátedra e debates no campus.
Um dos ouvidos é um folclórico professor que, num blog pessoal, se auto-intitula porta-voz da extrema direita. Infelizmente, há pessoas que ainda hoje dividem o mundo entre esquerda e direita, como faz a própria reportagem. Outro docente citado tem vários processos no Conselho de Ética movidos pelos seus próprios colegas. Nada a ver com a administração central. Por que a matéria só ouviu docentes que, por razões pessoais, se dispõem a reclamar?
Os fluxos administrativos nunca foram tão democráticos na UnB como são hoje: seguem obrigatoriamente o caminho dos órgãos colegiados. Nada mais democrático. Depois da crise de 2008, o Conselho de Ética foi restaurado, a ouvidoria implantada, os colegiados fortalecidos. Uma professora ouvida na matéria reclama por ter perdido a “chefia” de um curso, problema localizado no seu departamento, que nada tem a ver com a administração central. A respeito dessa acusação, mais uma vez, a reportagem segue pelo caminho do mau jornalismo. Traz uma declaração entre aspas de um professor que “não quer se identificar por temer represálias”, recurso hoje utilizado por certo jornalismo panfletário que camufla declarações do próprio veículo fingindo tratar-se de alguma fonte credenciada.
É fácil encontrar alguém descontente, por razões pessoais, com o objetivo de comprovar uma pauta jornalística pré-agendada. Mas é sintoma de péssimo jornalismo. Infelizmente, há tempos, a revista Veja optou por este caminho: escolhe seus desafetos e utiliza o jornalismo contra eles.
*Luiz Gonzaga Motta é professor de jornalismo da Universidade de Brasília
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