24 de dez. de 2011

A responsabilidade de se posicionar

Por Paulo Júnior

O surgimento da internet como nova mídia comunicacional trouxe inúmeras expectativas quanto ao modelo que se estabeleceria em relação à produção e recepção de notícias a partir daquele momento.
Os portais dos grandes jornais permitiram, logo de início, que leitores comentassem as matérias online de forma instantânea, o que dava oportunidade para qualquer anônimo se expressar sobre as mesmas. Muito mais democrática que as tradicionais sessões de Cartas dos meios impressos, a página de comentários permitiu uma construção natural das discussões por meio da totalidade de opiniões, sem hierarquização de posicionamentos por parte do veículo que os hospeda¹.

Mas as redes sociais, que estouraram a partir da segunda metade da década de 2000, são as reais protagonistas do quesito interatividade na web. O Facebook reúne 750 milhões de usuários no mundo inteiro, cada um com sua própria rede de amigos e informações compartilhadas. Correntes são repassadas para milhares de indivíduos em questão de horas com poucos cliques. Já o Twitter, microblog com postagens de até 140 caracteres, dita assuntos em destaque e é muitas vezes ponto de partida para apurações jornalísticas.
Por mais superficiais que sejam a maioria das discussões nas redes sociais, tais ferramentas ajudaram indivíduos a se organizar em torno de uma só teia de compartilhamento, tornando a opinião do público muito mais unificada e palpável. Diante disso pesquisadores da área comunicacional não resistem, e com razão, estudam as implicações deste novo modelo interativo. Abordagens de grande interesse para os articulistas são, por exemplo, a inversão do gatekeeping (não são mais os jornalistas que hierarquizam os assuntos, mas sim o público) e a queda definitiva da dicotomia ‘emissor x receptor’.
A facilidade que um anônimo tem de disseminar uma ideia em pouco tempo, apenas com um bom argumento; a igualdade de recursos disponíveis para influenciar, seja o usuário uma pessoa comum ou uma empresa multinacional; a real possibilidade de posicionamentos individuais (ou de grupos pequenos) rapidamente se tornarem globais. Tudo isto seria impensável até mesmo no início da internet, quando a TV ainda era apontada como principal porta-voz da opinião da maioria.
Mas o que pouca gente percebe destas inúmeras vantagens com que a comunicação vem sendo presenteada é a facilidade de perpetuar opiniões irresponsáveis e, na maioria das vezes, de senso comum. Não é difícil encontrar no mural do Facebook declarações do nível: “abaixo o Congresso, mandem prender todos os políticos”, ou “estamos sofrendo heterofobia, querem nos privar do direito de recusar o homossexualismo”, ou “Globo: não penso, não existo, só assisto”.
Certo dia estava no Facebook quando notei que a entrevista de uma jovem –  conhecida por Mulher Maçã – à revista Veja viralizava pela rede. http://www.facebook.com/photo.php?fbid=2310713399950&set=a.1379324115800.2053026.1012820442&type=1&ref=nf
 As declarações da moça, hilárias de tão ridículas, foram veiculadas na revista impressa, escaneadas e, a partir daí, rodaram como corrente na rede. Os comentários escrachavam a Veja pelo péssimo jornalismo ali exemplificado e também “denunciavam” as futilidades veiculadas pela revista apenas com o fim de entreter leitores alienados. O que poucos “intelectuais de Facebook” pareciam perceber é que apesar de a revista acumular mil ressalvas perante a praxis jornalística, a entrevista da Mulher Maçã não exemplificava nada neste quesito. A Veja tem uma coluna tradicional de entrevistas irônicas com personalidades pouco sérias, coluna esta que só ocupa 1/3 de página a cada edição.
No mês passado estourou também na web um vídeo feito por atores da Rede Globo contra a construção da usina de Belo Monte.  http://movimentogotadagua.com.br/
Com argumentos bem circulares e diálogo de fácil fluência, os artistas convidavam os usuários das redes sociais a assinar uma petição que pararia as obras da hidrelétrica. Uma rápida pesquisa na web e já era possível encontrar um monte de argumentos desconstruindo os dados apresentados pelos artistas no vídeo, principalmente em relação ao valor da obra, de 19 bilhões de reais, e não 30 bilhões, como dito pelos globais.
É muito fácil aderir a causas porque alguém “legal” falou. É muito confortável repetir desaforos só porque nove entre dez pessoas disseram a mesma coisa. É muito divertido compartilhar um único post com os amigos aderindo a ideais aos quais toda a sociedade também apoia. Mas a irresponsabilidade mora na casa da preguiça e da ignorância, lar da ausência de curiosidade e do senso crítico.
Se antes – e até hoje – reclamamos dos impérios comunicacionais do país, com poucas famílias “Marinho” controlando a maioria das rádios e TVs do Brasil, me parece muito mais assustador não ter condições de enumerar nenhum culpado pela manipulação exercida na internet, abrigando em cada caso um grupo oportunista seguido por uma infinidade de indivíduos ditos livres caindo como patinhos.
Mais importante do que os louros colhidos pela comunicação é a conscientização das massas sobre a democracia. Não é um mero sistema político, nem um presente da ditadura, nem muito menos propriedade privada dos partidos de situação. A democracia representa a possibilidade que todos têm de buscar sozinhos os próprios conhecimentos, formar opiniões e expressá-las de modo livre e independente. Informarmo-nos de como fazer isso da forma mais responsável possível deveria ser obrigação de cada brasileiro, principalmente quando o assunto é comunicação e interatividade na internet, local tão marcado pela presença do povo.

¹ A maioria dos veículos estabelece uma política de aprovação dos comentários baseando-se na adequação do conteúdo opinativo ao contexto da matéria, à lei e à uma linguagem respeitosa. Qualquer veto fora desses padrões constituiria, aí sim, censura.

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