Na última quarta-feira(22), foi aprovado em votação ocorrida
no plenário o Projeto de Lei(PL) de nº 4330/2004, de autoria do ex-deputado e
empresário do ramo alimentício Sandro Mabel. O projeto, que nunca chegou a ser
avaliado na Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania(CCJC), foi
desengavetado pelo atual presidente da Câmara dos Deputados, o deputado Eduardo
Cunha (PMDB – RJ) após apenas dois meses do início de seu mandato.
Se sancionado, o documento oficial da PL alterará a
conjectura da legislação atual na medida em que, entre outros, acabará com a
responsabilidade solidária das contratadas e tornará legal a terceirização em
todos os setores de uma empresa, incluindo atividades-fim, e permitirá que haja
inclusive quarteirização de serviços, tanto em empresas privadas quanto em
públicas. Atualmente, a Súmula 331 do Tribunal Superior do Trabalho(TST) proíbe
a contratação para atividades-fim, todavia sem especificar as diferenças entre
as mesmas e as atividades-meio.
Um dos principais argumentos do autor do projeto é o de que
“a terceirização é a evolução do mundo”, tendo na época de sua proposta chegado
a comparar o processo à entrada das mulheres no mercado de trabalho e ao
consequente aumento no número de babás.
Ainda no texto oficial, Mabel justifica: “[...]Novas formas
de contratação foram adotadas para atender à nova empresa. Nesse contexto, a
terceirização é uma das técnicas de administração do trabalho que têm maior
crescimento, tendo em vista a necessidade que a empresa moderna tem de
concentrar-se em seu negócio principal e na melhoria da qualidade do produto ou
da prestação de serviço. [...]”
Os argumentos dos defensores da PL (entre eles a Rede Globo
e a Federação de Indústrias do Estado de São Paulo) incluem maior fiscalização
e comprometimento da parte das empresas contratantes e maior proteção aos 12
milhões de brasileiros que já se encontram nessa situação. O texto integral,
entretanto, não especifica em momento nenhum de que forma isso seria feito, nem
descreve como ficariam o FGTS, os auxílios-doença, as políticas de prevenção a
acidentes de trabalho (8 em cada 10 ocorrem com terceirizados, segundo censo
realizado pelo Departamento Intersindical de Estatísticas e Estudos Socioeconômicos em
2013), o alto índice de assédio moral, a licença-maternidade, os
vale-alimentação e vale-transporte, as férias e o 13º salário.
Uma das diferenças gritantes entre o trabalhador terceirizado
e os demais é o afastamento dos movimentos sindicais entre os primeiros, muitas
vezes em virtude da pouca estabilidade que esse modo de serviço propõe. Dessa
forma, quem ganha mais liberdades e benefícios são as empresas e não os
empregados, que acabam à mercê das inadimplências de seus patrões; afinal, a PL
em discussão declara que, em relação ao funcionário terceirizado, a
responsabilidade da empresa contratante seja subsidiária. Isso na prática
significa que a empresa que contrata o serviço será acionada na Justiça do
Trabalho somente quando a contratada não cumprir as obrigações trabalhistas e após
ter antes respondido na Justiça.
Dificilmente uma lei beneficia tanto o lado do empregado
quanto o do empregador, visto que as prioridades de uma empresa estão sempre
pensadas a partir de um pensamento mercadológico e não social, e seria ingênuo
acreditar no contrário. Em entrevista concedida ao SOS Imprensa, Marcos
Antônio*, porteiro da UnB contratado pela empresa terceirizada Planalto
declarou que não tem férias há 3 anos, e alguns de seus companheiros de
trabalho chegam a estar há 5 anos sem período de descanso.
Outra funcionária da prestadora de serviços completa: “A
empresa vem e faz contrato emergencial, que eles chamam. De 6 meses. Dá 6 meses
e muda. E como a gente precisa do emprego... O pessoal tá desde Janeiro sem
receber o aumento do tíquete(alimentação). Era pra ser aumentado em 240 reais.”
O contrato emergencial a que ela se refere está
regulamentado pelo artigo 5º da PL, conforme descrito: “São permitidas
sucessivas contratações do trabalhador por diferentes empresas prestadoras de
serviços a terceiros, que prestem serviços à mesma contratante de forma consecutiva.”
Não há nenhuma expectativa, portanto, de melhoria quanto a esse problema, nem
mesmo na legislação – quem dirá na prática.
Como ao fim da relação de trabalho, não haverá
maneira de o empregado entrar com ação judicial de reconhecimento de vínculo
empregatício e assim recuperar os direitos e valores perdidos com manobras
patronais, por exemplo, os direitos trabalhistas conquistados com a CLT
ficariam extremamente prejudicados. Além disso, segundo levantamento feito pelo
TST, as empresas prestadoras de serviços representam 22 das 100 empresas que
possuem mais processos julgados vencidos pelo funcionário e não quitados por
elas nos tribunais trabalhistas brasileiros (sendo 5 das 20 primeiras pertencentes
aos setores de mão de obra, vigilância, conservação e limpeza).
Além disso, segundo Sandra Maria Souza, que
trabalha na Justiça Trabalhista desde 1982, a maioria das execuções contra
empresas evaporam porque as mesmas anteveem as condenações, fazem acordos e
saem impunes. É nesse sentido que os movimentos sociais e sindicais se opõem
fortemente ao projeto e têm organizado atos de repúdio no Brasil inteiro, como
os ocorridos no último dia 15, que foram tão incisivos que acabaram forçando o
deputado Cunha a adiar a votação no plenário para o dia 22, quando foi enfim
aprovada e será encaminhada ao Senado, onde a PL encontrará mais obstáculos: o
presidente do Senado Renan Calheiros(PMDB – AL) já se posicionou contra a
maneira apressada com que o assunto vem sido tratado no momento.
*O nome foi alterado para proteger a identidade do
entrevistado.
Letícia Leal